Mulheres são maioria no cooperativismo cearense, mas desafios persistem
Crescimento feminino no setor no Ceará supera 70% em um ano, com mulheres liderando novos ingressos e destacando-se em setores-chave
O cooperativismo no Ceará vem registrando uma transformação significativa nos últimos anos, marcada pela crescente participação feminina. Segundo dados do Anuário do Cooperativismo Brasileiro – AnuárioCoop 2024, produzido pelo Sistema OCB, as mulheres já são maioria entre os cooperados no estado. Em 2023, dos 137.304 cooperados que declararam seu gênero, 63% eram mulheres, representando um total de 86.129 pessoas. Em contraste, os homens somavam 51.175, correspondendo a 37% do total.
Esse aumento na presença feminina é ainda mais impressionante quando comparado aos números de 2022. Naquele ano, o número de cooperadas era de 50.167, o que significa que, em um ano, houve um incremento de 71,6% no número de mulheres no cooperativismo cearense.
Ao analisarmos o crescimento geral de 26% no número de cooperados, conforme destacado em nossa reportagem anterior, fica evidente que a maior parte dos novos ingressos no cooperativismo foi composta por mulheres.
Superando a média nacional
Os dados do Ceará se destacam também em relação ao cenário nacional. Em nível Brasil, as mulheres representam 41% dos 23 milhões de cooperados. No Ceará, a participação feminina não só supera essa média, como se consolida como uma das mais altas do país. Esse fato chama a atenção para o estado, que se torna um exemplo de inclusão feminina no cooperativismo, “um movimento historicamente dominado por homens”, como aponta o presidente do Sistema OCB/CE, Nicédio Nogueira.
Participação por setor: O espaço das mulheres
A análise por setores revela ainda mais nuances sobre a presença feminina no cooperativismo cearense. As mulheres predominam no ramo de Trabalho, Produção de Bens e Serviços, onde representam 80% dos mais de 75 mil cooperados. Esse dado indica que, em áreas onde o cooperativismo se organiza em torno do trabalho e da produção, as mulheres encontram maior espaço e oportunidade.
Nos setores de crédito e saúde, embora as mulheres ainda não sejam maioria, sua participação é significativa: 45% e 43%, respectivamente. Entretanto, em ramos como consumo, infraestrutura, transporte, e agropecuário, os homens ainda são amplamente majoritários. No ramo de consumo e infraestrutura, por exemplo, a participação masculina chega a 100%.
Para a coordenadora do Comitê de Mulheres Elas pelo Coop Ceará, Selene Caracas, os números comprovam que o cooperativismo, combarado a outros setores ainda fortemente marcados pela predominância masculinista, se mostra mais favorável à presença feminina, pois ao ingressar, avalia, a mulher se torna proprietária e tem mais oportunidades de crescimento.
“As mulheres estão reconhecendo nas cooperativas um valor que vai além do aspecto financeiro: o compromisso social com a comunidade e os associados. Ser dona de uma cooperativa é diferente de ser apenas uma colaboradora; você participa das decisões e influencia o rumo do negócio, pode reivindicar sua presença”, destaca Selene Caracas.
Empregabilidade: Mulheres à frente no mercado de trabalho cooperativista
O AnuárioCoop 2024 também revela que as mulheres são maioria entre os empregados das cooperativas cearenses, representando 62% dos 10.906 empregos que informaram o gênero dos colaboradores. Esse percentual é superior à média nacional, onde as mulheres representam 52% da força de trabalho no setor cooperativista.
Esse dado indica que, além de se associar às cooperativas, as mulheres também estão ocupando um espaço relevante nas oportunidades de emprego geradas pelo movimento cooperativista no estado.
Capacitação e formação: mulheres protagonizam atendimentos
Outro ponto de destaque é a atuação do Sescoop Ceará, que, em 2023, realizou 11.815 atendimentos voltados para a capacitação e formação profissional no cooperativismo. Desse total, 58,9% dos atendimentos foram direcionados a mulheres, o que corresponde a 7.070 atendimentos. Esse protagonismo feminino nos programas de capacitação demonstra um interesse crescente das mulheres em se qualificar e se preparar para os desafios do mercado cooperativista.
As atividades ofertadas pelo Sescoop incluem, entre outras, assistência técnica, promoção social e educativa, desenvolvimento de lideranças, apoio ao desenvolvimento de negócios, e programas de saúde e bem-estar, todas fundamentais para fortalecer a atuação das cooperativas no estado.
Desafios na liderança: uma jornada incompleta
Apesar do avanço expressivo na participação feminina entre os cooperados e empregados, a presença de mulheres em cargos de liderança nas cooperativas cearenses ainda é limitada. Apenas 24% dos dirigentes de cooperativas no Ceará são mulheres, totalizando 366 líderes em um universo de 1.501 cargos de direção. A liderança feminina se faz presente de maneira significativa apenas no ramo de Trabalho, Produção de Bens e Serviços, onde elas representam 54% dos dirigentes. Nos demais setores, a direção das cooperativas permanece majoritariamente nas mãos dos homens.
Nicédio Nogueira explica que essa estatística reflete um dos grandes desafios para o futuro do cooperativismo cearense: “a necessidade de ampliar a participação feminina em posições de poder e decisão”.
A coordenadora do Elas pelo Coop Ceará avalia que, embora ainda existam desafios em alcançar posições de liderança, especialmente nos cargos mais altos, isso está mudando rapidamente. “Os nossos dados mostram uma evolução. As mulheres estão se preparando cada vez mais para ocupar esses espaços”, explica a cooperativista.
Um movimento em transformação
Os números apresentados pelo AnuárioCoop 2024 evidenciam que o cooperativismo cearense está passando por uma transformação significativa, impulsionada pela crescente participação feminina. No entanto, apesar dos avanços, o setor ainda enfrenta desafios importantes, especialmente no que diz respeito à equidade de gênero nos cargos de liderança e na participação em setores tradicionais.
Selene Caracas explica que o Comitê Elas pelo Coop existe justamente para apoiar e incentivar essas mulheres a avançarem. “Elas são capazes, mas precisam romper barreiras e superar eventuais medos que foram impostos ao longo do tempo. O comitê pode ser a alavanca para essa transformação. O que falta é um empurrão para que elas percebam que, embora nada esteja pronto, é possível avançar e crescer. Coragem é essencial; sem ela, não há progresso. Mas, uma vez dentro, as mulheres melhoram, se dedicam e crescem”, finaliza Selene, que foi uma das fundadoras da Uniodonto Fortaleza e é também membro do Conselho Fiscal do Sistema OCB/CE.
Próxima reportagem
Leia amanhã (22) em nossa série de reportagens com os dados do AnuárioCoop: o posicionamento do Ceará no cooperativismo do Nordeste.